24 de outubro de 2009

ANTÓNIO BARROS – UM CAMPEÃO

Texto: José Mota Freitas
Ilustração: Camilo Freitas



Entre os melhores pilotos portugueses de sempre, terá que se encontrar o nome de António Barros, um homem que conseguiu ser competitivo nas 4 décadas em que correu. Estamos em Outubro de 2009 e já faz 4 anos que Barros faleceu. Vamos por isso fazer-lhe esta pequena homenagem, percorrendo em imagens alguns episódios da sua longa carreira.

1 – O IRMÃO ABÍLIO



A família Barros vivia no Porto, e além de Tony era (é) composta pelas irmãs Maria Odete (a mais velha) e Natália e pelos irmãos Abílio Fernando (também já falecido) e Vladimiro (o mais novo de todos). O seu pai era proprietário de uma empresa (fabrico de colas industriais) em Moreira de Cónegos (foi mesmo um dos fundadores do clube Moreirense), denominada Paiva & Barros Lda.


(o irmão Vladimiro Barros)

Em 1952, Abílio Barros compra na garagem de Fernando Palhinhas um automóvel desportivo da nova marca FAP e começa desde logo a participar em competições automobilísticas. Conseguirá (entre 1952 e 55) resultados de relevo com destaque para vitórias em Vila do Conde (1952) e no G.P. do Jubileu do ACP em Monsanto (1953). Nesse ano é também 2º classificado no Circuito da Boavista, atrás do Alba de Corte Real Pereira. No ano de 52 consegue também a vitória na classe no novo Campeonato Nacional de Rampas organizado pelo ACP. A partir de 1954 a chegada dos novos Denzel e Porsche Spyder faz com que os carros fabricados em Portugal, como o FAP, passem a não ser capazes de vencer as provas de Sport até 1500 cc, isto apesar dos esforços de Abílio e do construtor Palhinhas. A partir de 1956 Abílio Barros retira-se praticamente das competições, passando a competir apenas de forma esporádica.

2 – A INSERÇÃO NAS CORRIDAS



Sendo a diferença de idades entre os dois irmãos de apenas dois anos, foi normal a entrada de António Barros no mundo das corridas, sendo desde o início um habitual acompanhante do seu irmão. Desde sempre houve na família o gosto pelo desporto e pelo exercício físico. Note-se que na época os irmãos Barros tinham semanalmente em casa a presença de um treinador de boxe e ginástica, o ex. Boxeur negro “Kid Adriano”, um antigo jogador de futebol do Leixões (com o nome de Adriano) que depois do futebol se tornou profissional de Boxe… esta preparação física permitia aos irmãos Barros (especialmente o Abílio…) guiar com certa facilidade o FAP, carro que ao que parece tinha uma direcção pesadíssima…
Na foto, tirada no GP do Porto (Boavista) em 1953, vê-se Abílio Barros falando com o Comissário e com o seu irmão Tony atrás. Ao fundo, com a mão no peito, está Camilo Freitas o pai do autor destas linhas.

3 – COM O FAP



Assim, surge como natural a iniciação às corridas por parte de Tony Barros e depois de se ter iniciado em 1954 com um Fiat 1100 no Rallye de Aveiro (3º da Classe), aproveita a existência em casa do competitivo FAP (na foto na pista do Lima) do seu irmão para participar em provas de Gincana e Perícia que vão acontecendo por todo o lado. Como dizia “comecei em Gincanas, depois passei às Perícias, depois os Ralis e finalmente a Velocidade. Quando comecei a fazer provas de Perícia desinteressei-me das Gincanas, quando passei aos Ralis desinteressei-me das Perícias, quando passei à Velocidade deixei os Ralis. Fiquei na Velocidade que era o que eu gostava”...

4 – VENCE O RALLY AO PORTO



Como o FAP era um carro difícil de manobrar em provas de estrada adquire um MG TF e será com esse carro que irá obter a sua primeira vitória, no III Rallye ao Porto em 1955. A prova, organizada pelo Académico Futebol Clube, contou com a presença de quase 20 concorrentes. Barros (que tinha apenas 18 anos de idade) venceu, sendo seguido de Afonso Ramalho (Lancia), Horácio Macedo (Chevrolet Corvette), Júlio Simas (DM) e Mário Moreira Leite, que fazia a estreia em competições do automóvel construído por si, o MARLEI. Com este MG, Tony seria também 1º da classe na Volta ao Minho, no Rallye a Espinho e no Rallye a Guimarães (todos em 55).

5 – DUAS ÉPOCAS COM UM MGA



Para os anos seguintes, Tony trocaria o MG TF por um mais moderno MGA, que levaria à vitória no Rallye de Lamego de 1956 sendo 2º da classe no Rallye à Montanha (56) e 3º na Volta ao Minho (56). Para vencer o Rali Transmontano/Mirandela (1957) utilizaria um Alfa Romeo. Os MG eram bons carros para as provas de perícia e regularidade, mas para “voos mais altos” era necessário outro tipo de “material”...

6 –1958 – ESPANHA E VILA REAL



De facto, a aspiração de António Barros era a de ser piloto de velocidade. Assim, e apesar dos receios da família devido à inexperiência do piloto, Barros inscreve-se com o seu novo Porsche 356 A Super (um carro de serviço adquirido à Guérin - Porto) no V GP de Madrid em 1958. Anteriormente, Barros apenas tinha feito algumas provas de pista em Vila do Conde, em provas incluídas nos Rallyes da Montanha. Mas não se saiu nada mal em Espanha, obtendo o 8º lugar e a melhor posição entre os portugueses, numa prova fértil em incidentes. Em Julho do mesmo ano, disputa a Taça Cidade de Vila Real para automóveis de Grande Turismo. Termina num excelente 6º lugar e vencendo a Classe 2. A vitória foi para o Mercedes de Mário Araújo Cabral que nesse dia travou uma luta memorável com o Alfa Romeo “Conrero” de Mané Nogueira Pinto.

7 – A TAÇA DO SALÃO DE PARIS



No GP Porto, disputado no Circuito da Boavista, António Barros tinha alugado e pago um dos Stanguellini que vieram a Portugal para que alguns portugueses pudessem participar na prova de Fórmula Júnior. No entanto, à última hora o carro que lhe estava atribuído passou estranhamente para as mãos de Manuel Nogueira Pinto e Barros recusou-se a aceitar a outra viatura que então lhe propunham em alternativa. Entretanto e devido ao seu desempenho em treinos da pista do Lima (onde foi mais rápido do que Jean Behra) ter ficado na retina dos italianos, é convidado para correr em Itália pela equipa de Gastone Zanarotti e Marcello Giambertone (na altura o manager de Juan Manuel Fangio) a “Scuderia Madunina”. O carro que lhe propunham era um Ferrari Sport de 3 litros, mas Tony achou o carro muito potente para a sua relativa inexperiência e resolveu adquirir um Stanguellini de Formula júnior e correr em Modena integrado na equipa do “Commendatore” Giambertone. No entanto e depois de obter a 4ª posição nos treinos não participa na prova devido ao protesto de um concorrente (Alessandro De Tomaso…) que alegava que Barros não tinha licença internacional, a qual havia sido emitida tardiamente pelo ACP. Mas Tony não desanimou e no dia 5 de Outubro de 1958, correndo na perigosa pista de Monthlery debaixo de uma intempérie de que só os predestinados poderiam emergir, um português de 22 anos, ao volante do Stanguellini-Fiat nº 48, exibindo lateralmente as palavras António Barros – Portugal, bate, perante 120.000 pessoas, uma “armada” francesa ao volante dos pouco potentes mas ágeis DB Monomil e os experientes italianos Carmello Genovese, Alberti e Luigi Nobile, ao volante dos seus Stanguellini e Volpini. Fez o 2º tempo dos treinos, mas partindo à frente comandou a corrida de princípio a fim, perseguido pelos italianos que, não aguentando o ritmo que impôs, foram fazendo piões e baixando a classificação. A partir deste dia a carreira internacional de Tony Barros poderia estar lançada…

8 – DEDICATÓRIA A UM AMIGO



António Barros foi sempre um piloto polémico, directo, impulsivo. Por vezes terá perdido corridas devido à sua maneira de ser e por vezes terá ofendido injustamente pessoas por causa do seu repentismo, mas uma coisa que sempre prezou durante toda a vida foi a lealdade e a amizade para com aqueles de quem era amigo. Por exemplo, Juan Manuel Fangio era um dos amigos de António Barros e apreciava muito as suas qualidades como piloto. Quando Tony esteve internado na Clínica Mayo (em Rochester, U.S.A.) para fazer uma cirurgia cardíaca, os funcionários da clínica estranharam um telefonema que receberam a dizer “aqui fala o Juan Manuel Fangio…”. “É, e aqui é o Stirling Moss”, respondeu até o funcionário da clínica em ar de chacota. Uns dias depois todos ficaram admirados de ver o próprio Fangio a entrar na porta dizendo que queria visitar o seu amigo português que estava ali internado, o Tony de Barros…
A foto em anexo foi dedicada ao meu pai em 1958, quando Barros venceu a Taça do Salão em Monthlery.

9 – TAL PAI … TAL FILHO



A foto data de 1958 e olhando com atenção pode ver-se as parecenças de Tony Barros pai com Tony Barros filho, hoje um dos melhores pilotos portugueses. Tony acompanhou sempre de perto e até ao fim da sua vida a carreira do filho, iniciada nos automóveis em 1984 e hoje já contando no seu palmarés com várias vitórias no Nacional de Clássicos e em Troféus Monomarca da BMW e da Toyota.
Uma vez alguém lhe perguntou “porque é que não pede o Porsche ao seu filho e participa numa Rampa?”
Ao seu melhor estilo respondeu, “não, porque não quero envergonhar o meu filho e fazer melhores tempos do que ele…”

10 – VITÓRIA EM MADRID



Após a vitória em Paris, Barros tem abertas as portas a uma carreira internacional em monolugares. No entanto a família sempre se opôs a essa vontade do piloto e para o compensar de não poder correr no estrangeiro é-lhe oferecido um Mercedes 300 SL. Acompanhado de Ângelo Costa, o seu mecânico, Barros vai disputar no Circuito da Casa de Campo o “II Premio de Madrid”, integrado no “VI Premio Automovilista”. Os seus maiores opositores seriam os espanhóis Paco Godia Sales um piloto com experiência de Fórmula 1, que tripulava um Porsche Carrera Spyder, Rodolfo Bay num Mercedes semelhante ao seu, Miguel Soler ao volante de um Jaguar e Alex Soler Roig em Alfa Romeo. Soler parte na frente, mas Barros já comanda na 2ª volta. Na nona passagem é Godia quem assume o comando para delírio da enorme assistência. Segundo Barros, os pilotos espanhóis “facilitavam a passagem a Godia e tapavam-me a mim quando eram dobrados…” de tal forma que a duas voltas do fim um dos concorrentes querendo facilitar tanto a passem a Godia faz uma travagem exagerada batendo numa árvore. Godia bate e perde tempo, mas Barros passa e assume a dianteira terminando com cerca de 15 segundos de vantagem. No final recebe a Taça de vencedor (segundo Barros, “que estranhamente era mais pequena do que a de Godia…”), debaixo dos aplausos de milhares de espectadores, das mãos do Ministro Secretário da competição.
Nos jornais espanhóis podia ler-se “ …Barros tomaba el mando, pilotando com plausibile perícia, que parece estraña en un hombre de su pesada humanidad…”

11 – VITÓRIA EM MONSANTO


Uma das provas de suporte ao II GP de Portugal de Fórmula 1 a ter lugar em 1959 no Circuito de Monsanto, juntou os concorrentes da “Taça Secretariado Geral da Informação” para carros de Grande Turismo e da Taça “Governador Civil de Lisboa” para carros de Sport. Na primeira linha da grelha de 22 concorrentes, estavam Joaquim Correia de Oliveira, (o antigo piloto e construtor do OLDA, que tripulava agora um Porsche Spyder), João Vaz Guedes (Mercedes 300 SL) e Jorge Moura Pinheiro (Porsche Spyder); na 2ª fila apareciam Manuel Duarte Júnior (Mercedes 300 SL) e António Barros (Mercedes 300 SL); na 3ª fila estavam Carlos Faustino (Cooper), Luís de Freitas Morna (Triumph TR3) e César Torres (Alfa Romeo). Previa-se pois uma forte luta entre os Porsche e os Mercedes.
Eram 17 horas e 24 minutos quando o Governador Civil de Lisboa Dr. Osório Vaz dá a partida, e logo milhares de pessoas se levantam aplaudindo e incitando os corredores. Logo Correia de Oliveira e Vaz Guedes passam para a frente, cruzando na meta à primeira passagem já com António Barros praticamente “colado”, na 3ª posição. Na 2ª passagem já as posições cimeiras se tinham alterado com Barros a passar à frente de Moura Pinheiro e assumindo na 3ª passagem definitivamente o comando e cortando a meta após 20 passagens pela meta, com uma vantagem de mais de 2 minutos em relação a Jorge de Moura Pinheiro, o 2º da Geral e que assim venceu a categoria Sport.
No final da prova, apresentando-se bem ao seu estilo, envergando um fato-macaco preto e um chapéu de palha vermelho, Barros (com lágrimas de alegria a toldar-lhe o rosto) responde a alguns jornalistas:

- É este o seu primeiro triunfo?
- Não!... Venci em Vila Real na minha categoria e fui o vencedor absoluto de um circuito em Paris e outro em Madrid.
- Pensa vir a correr em Fórmula 1?
-Fórmula 1? A família nem quer ouvir falar nisso…
- Qual foi para si o concorrente mais perigoso?
- Nenhum, bem vê, estavam todos longe demais…

Será também interessante lermos o que dizia Luís de Sttau Monteiro a respeito de Tony Barros na sua crónica para o Jornal “Mundo Motorizado”

“ … Julgo que a condução de Tony de Barros foi impecável. Roy Salvadori, Carol Shelby e John Cooper encontravam-se junto do posto de abastecimento, conversando, quando os carros entraram na curva que antecede a recta dos boxes e viram passar todos os concorrentes. A forma como Tony de Barros preparou a curva e dela saiu levou John Cooper a chamar a atenção dos dois mencionados corredores de Fórmula 1 para este concorrente e todos ficaram no mesmo local aguardando que os carros aí voltassem. Minutos depois perguntaram ao autor destas linhas quem era o condutor do carro nº 28 e se era português.
Perante a resposta afirmativa, Carol Shelby pronunciou-se: “he is the driver in the race and what is more he can really drive”.
Sem espectáculo, sem curvas à Marialva encartado, com uma precisão rara e revelando um magnífico sentido das distâncias, Tony de Barros revelou todas as qualidades que caracterizam um piloto de competição… não me posso esquecer que o ano passado em Paris, Bernard Cahier descrevia a “Coupe du Salon” dizendo que tudo nela fora “júnior” excepto o português porque esse revelara estar apto a começar a aparecer com os seniores…”

12 – ACIDENTE EM LUANDA




Dia 19 de Agosto de 1959. Taça Cidade de Luanda para automóveis de Turismo e GT. Favoritos: Darville, do Congo Belga, em Porsche; Jennings, da África do Sul, em Porsche Dart; Pfaff da Rodésia em Lotus Eleven; Martin, do Congo Belga, em Porsche e claro, António Barros, de Portugal, em Mercedes.
O Mercedes, depois de vários problemas no transporte por barco, chegou apenas na véspera ao fim da tarde e como tal Tony não treinou, partindo do último lugar de uma grelha de 20 carros. Na primeira linha, estavam Jennings, Darville e Pfaff.
No final da primeira passagem pela meta, Darville comandava seguido de Pfaff, enquanto que Jennings e Barros eram respectivamente 5 e 8º classificados. Na 2ª passagem, Barros era já o 4º classificado e na 3ª passagem era já 3º colocado, depois de ultrapassar o espectacular Porsche Dart de Jennings. Infelizmente e para desgosto de todo o público presente, Barros já não passaria mais, pois sofreu um despiste, quando fazia a ultrapassagem para aceder ao 2º lugar, empenando uma roda. Mas, na 3ª volta havia feito 2.17.74, à média de 120.863, a melhor volta da corrida. O vencedor seria Darville, seguido de Jennings e Pfaff.



No dia seguinte, Barros já com o carro reparado, compareceu ao Grande Prémio de Angola, tendo sido 9º classificado no final e melhor entre os GT. O vencedor foi o finlandês Kurt Lincoln, em Cooper Mónaco, seguido de John Love, em Jaguar D.

13 – VITÓRIA EM VILA DO CONDE



Depois de vencer em Vila Real (na classe), em Paris, em Madrid e Lisboa (Monsanto), Barros precisava de mostrar a sua categoria aos aficionados do Norte.
27 de Julho de 1960 – Circuito de Vila do Conde. Era grande a expectativa para a terceira corrida do programa, pela luta que se previa entre os 4 Mercedes 300 SL, de António Barros, Horácio de Macedo, Basílio dos Santos e do Eng.º Duarte Ferreira. A ordem de partida era: Barros, Macedo, Basílio, Maurício Macedo (Jaguar) e Duarte Ferreira.
Dada a partida, passa logo para o comando Horácio Macedo, seguido por Basílio dos Santos e António Barros, mas na 2ª volta Horácio tem que desistir devido a um acidente. Ficou então no comando Barros, seguido pelo outro Mercedes de Basílio dos Santos e pelo Jaguar de Maurício Macedo, que lutariam pelo 2º lugar do pódio até ao final, já que Tony Barros parecia inalcançável.
No final, ganhava com mais de 40 Seg. de vantagem, repetindo com este carro as vitórias alcançadas em Madrid e Monsanto, no ano passado. No fim, Barros é levado em ombros pelo seu irmão e os seus amigos. A dupla Barros – Mercedes parecia imbatível…



14 – NOVA VITÓRIA EM ESPANHA



Uma das mais curiosas vitórias de Barros teve lugar em Madrid, 1960. Já conhecido do público madrileno depois da sua vitória em GT no ano anterior, Barros levou a Madrid (Circuito da Casa de Campo) o seu fiel Mercedes 300 SL e também o Jaguar 3.4 MKII para fazer a prova de Turismo. Foi a rolar até Madrid no Jaguar, levando de boleia a sua mulher e a irmã e o cunhado. Na prova de GT foi 3º classificado, tendo o vencedor sido Pflugbeil em Porsche. Mas em relação à prova de Turismos, nada melhor do que a história ser contada pelo próprio Tony: “ chegamos já a meio dos treinos e mesmo assim consegui ser o 3º na grelha, por isso fiquei animado para a corrida. Antes de começar a prova, vira-se para todos um piloto italiano, falando alto: atenção, eu chamo-me Frederico Lococco e sou campeão italiano de Turismos, e “quando meto” é para passar; e eu respondi: e eu sou o António Barros de Portugal e “quando meto” também é para passar! Antes da partida trocámos um breve olhar de desafio. Arranquei bem e coloquei-me atrás do Alfa Romeo do italiano, e depois de 3 ou 4 voltas de porfia, ultrapassei-o. Logo a seguir, passei na zona onde estava a minha mulher, a minha irmã e os meu cunhado e disse-lhes adeus, para mostrar que estava “tudo bem”, o mal foi que o Lococco pensou que eu estava a dizer-lhe adeus, a ele, depois de o ter ultrapassado, como gozo! No fim ganhei a corrida, mas o italiano no fim queria “ explicações” daquele “adeus” e de forma bastante agressiva…”

15 – 2º NA BOAVISTA EM 1960



Depois de vencer em Monsanto, Madrid e Vila do Conde, Barros apresentou-se no Circuito da Boavista também “para ganhar”. Sábado, 13 de Agosto de 1960, Taça SNI (Secretariado Geral da Informação), integrada no GP de Portugal: havia vento e nevoeiro, nem parecia uma tarde de Verão. A chuva ameaçava aparecer, quando foi dada a partida, às 18 horas e 50 minutos. Na primeira linha, Jorge de Moura Pinheiro no novo Ferrari 250 GT, António Barros, D. António Gentil Herédia em Alfa Romeo Giulietta e Horácio Macedo em Mercedes.
Moura Pinheiro sai bem e passa à frente no final da primeira volta. Barros é 2º. Pinheiro vai aumentando a sua vantagem, que é de 8 Seg. à 8ª volta, a meio da prova. Nesta altura começam a cair alguns chuviscos e Barros começa a aproximar-se: na 9ª volta a diferença é de 7 Seg., na 10ª volta, são 4,5 Seg. Na 11ª passagem a diferença é de 2,48 Seg., e na 13ª passagem já é menos de 1 Seg. Barros tenta tudo por tudo na última volta, mas Moura Pinheiro conseguiu aguentar uma vantagem de 0.85 Seg. e vence. Os dois grandes pilotos terminaram quase “colados”. No final, quando entrevistado, Moura Pinheiro com grande desportivismo, diz: “ Barros é-me superior e com carros iguais, ele teria ganho…”

16 – O ERRO DA FORMULA VÊ



Depois de 4 anos de quase afastamento das competições mais importantes (entre 63 e 67 apenas fez alguns Ralis de categoria inferior) Tony Barros é um dos primeiros a aderir à nova categoria de promoção, a Fórmula Vê. Ainda em 66 adquire um Palma ex. Filipe Nogueira e no ano seguinte passa a conduzir um dos novos Aurora, fabricados no Porto na garagem com o mesmo nome. Entre 67 e 71 Tony Barros será um dos mais rápidos pilotos desta disciplina, logo a seguir ao inalcançável Ernesto Neves e ao Olympic de Nogueira Pinto, mas o seu elevado peso (mais de 120 Kg) dificultava as boas performances do seu monolugar, que era equipado de um pouco potente motor VW de 1300 cc…
Foi um erro para a sua carreira, a adesão e insistência na FV. No entanto e apesar de tudo, Barros venceu várias vezes a categoria: na Rampa de Paços de Ferreira em 1967, na Rampa da Sr.ª da Graça, na Rampa da Penha, na Rampa do Monte do Faro e na Rampa da Pena em 1970 (neste ano foi Vice-Campeão Nacional da Categoria) e na Rampa da Sr.ª da Graça em 1971, sendo de recordar também o 4º lugar obtido na prova internacional disputada na pista de Jarama em 1967, numa prova em que curiosamente Carlos Santos fez uma rara aparição na Fórmula V.
(foto: Vila Real 1970, seguido de Robert Giannone)

17 – O OUTRO ERRO – A FORMULA FORD


(Foto: Rampa da Sr.ª da Graça 1970)

Em 1970 aparece em Portugal a Formula Ford. Os carros eram equipados com motores 1600 (Ford Cortina) com cerca de 110 cavalos. Mais uma vez Barros adere desde o princípio, naquele que será o seu segundo grande erro. O seu peso irá impedi-lo de conseguir os resultados que o seu talento merece. Se hoje em dia vemos pilotos do campeonato FIA – GT ou do DTM preocupados com os lastros de 30 ou 40 kg em carros de 600 cv, o que diria António Barros que tinha um “lastro natural” de 40 ou 50 kg num carro de 110 cv?


(Foto: Circuito de Vila do Conde, 1972)

A melhor prova de Barros na FF foi seguramente a de Vila Real/72, quando lutou taco-a-taco com o holandês Roelof Wunderinck (futuro piloto de F1) e Santos Mendonça, antes de um acidente ter eliminado os três na Curva da Salsicharia. Mas ficaria com a volta mais rápida, que seria para sempre o Recorde de Formula Ford na difícil pista transmontana.
Com o Lotus 61 M- Holbay, Barros venceria a FF na Sr.ª da Graça em 1970 e 71 e na Rampa do Monte do Faro (Monção) em 1971 seria mesmo o vencedor absoluto.

18 – O REGRESSO E VITÓRIA NA FALPERRA


(foto: Rampa da Arrábida, 1979)

Julho de 1978. A Rampa da Falperra não conta ainda para o Europeu de Montanha, mas vai-se afirmando cada vez mais como uma prova de culto para os aficionados nortenhos. Este ano inscrevem-se 64 pilotos, 21 dos quais na categoria de iniciados.
Robert Giannone está ausente nos Estados unidos e os favoritos para a prova são Orlando Gonçalves no Sport-Protótipo GRD-S73, Tino Pereira no De Tomaso Pantera e Hélder valente no Datsun 240 Z. Ninguém pensaria que os carros de Grupo 1 poderiam imiscuir-se na luta pela Geral, e entre estes contava-se especialmente com os Dolomite de Jorge Tenreiro, Costa e Sousa e José Peres, os Capri 3000 de Carlos Rodrigues, Álvaro Parente, os Toyota Celica de Manuel Fernandes e José Meireles Monteiro e os Commodore de António Barros, Santos Pereira e Rufino Fontes. Havia também que contar com o monolugar Cheetah MV 2 do emigrante na Bélgica José Vale Peixoto.
Nos treinos o melhor tempo vai para o GRD de Orlando Gonçalves, seguido de Peixoto. O 3º tempo vai para António Barros, que supera todos os carros de Grupo 1 inscritos.
Na 1ª subida, Vale Peixoto despista-se e fica fora de prova e o melhor tempo vai para António Barros, que faz 2.34.76, batendo Orlando Gonçalves, que faz 2.35.97. Na 2ª subida, Gonçalves fica inexplicavelmente sem gasolina no meio da subida! Barros piora o tempo, mas vence folgadamente (era necessário terminar as duas subidas). O melhor tempo do 2º classificado, Rufino Fontes, será 2.36.52; Hélder Valente será o 3º com 2.37.60 e Costa e Sousa que fará 2.38.69 com o Dolomite Sprint, será o 4º. Esta foi a primeira grande vitória de Barros após o regresso e um grande estímulo para o futuro. No fim á abraçado efusivamente pelo irmão Vladimiro.
Barros dar-se-á sempre bem com os ares de Braga, pois em 79, será 2º da Geral na Falperra, batido pelo Selex de Alberto Gonzalez, mas em 80 irá desforrar-se do espanhol e vencer de novo a Rampa da Falperra, mas, tal como em 79, já ao volante do Porsche Aurora.


(Vila do Conde, 79, foto de Rui Queirós)

Em 1978, Barros vence o Grupo 1 em 6 Rampas (Serra da Estrela, Falperra, Penha, Pena, Lagoa Azul e James) – todas as disputadas, aliás - e fica em 3º do campeonato. Os dois primeiros são entretanto eliminados por apresentarem irregularidades nos seus carros, mas Tony inexplicavelmente não é declarado Campeão! Como alguém disse: “era como se na Volta a Portugal em Bicicleta, os dois primeiros fossem eliminados por doping e não fosse o 3º declarado vencedor”…

19 – CAMPEÃO COM O PORSCHE AURORA


(foto: Vila Real, 1980)

A última prova do Nacional de Velocidade de 1978, é a Rampa James (Penha). Barros participa em duas frentes: no Grupo 1 com o Opel Commodore e no Grupo 5, com o Porsche Aurora, o carro antes guiado (em 1977) pelo malogrado Clemente Ribeiro da Silva e que tinha vencido em Vila do Conde pelas mãos de Joaquim Moutinho. Faz uma excelente exibição e obtém o 1º (com o Porsche) e 3º (com o Commodore) lugares da Geral. Para 79 decide fazer o Nacional de Grupos 2 a 5 com o Porsche. Nesses dois anos, Barros irá conseguir o que nunca havia conseguido antes: ser (bi) Campeão Nacional de Velocidade.
Ao todo, Tony Barros fez 20 provas com o Porsche Aurora. Venceu 16, obteve dois 2ºs lugares e teve duas desistências (Vila do Conde 79 e Serra da Estrela 79). A sua única derrota, se é que se pode chamar assim, teve lugar na Rampa da Serra da Estrela de 1980, prova em que Mário Silva, que para essa prova alugou um competitivo Porsche 934 Turbo aos irmãos Almeras, superou o Porsche Aurora de Barros (3.27.29 contra 3.28.53 na melhor volta).


(foto de Rui Queirós)

A lista de vitórias de Barros em Rampas é impressionante: entre 78 e 80, Barros venceu, ao volante do Porsche, as Rampas de Arrábida, Falperra, Caramulo, Mont`Alto, Portalegre, Porto de Mós, Penha, Lagoa Azul e Meadas. Venceu também em Vila do Conde e Vila Real. Curiosamente António Barros, nunca correu com o Porsche no Estoril, pois a, na altura, nossa única pista permanente, esteve fechada entre 1978 e finais de 81.



Em 1980, Barros teve um perigoso oponente na luta pelo título do Agrupamento B2: Joaquim Moutinho, que tripulava também um Porsche aurora RSR. O carro de Moutinho teve sempre alguns problemas mecânicos, provavelmente devido à sua juventude, e isso explicará uma boa parte das diferenças registadas, mas atente-se curiosamente aos tempos comparativos, registados por Barros e Moutinho nas provas que fizeram ambos:
Rampa do Caramulo: Barros – 1.50.40, Moutinho – 1.54.85;
Rampa da Falperra: Barros – 2.18.81, Moutinho – 2.23.59;
Vila do Conde: Barros – 1.04.25, Moutinho – 1.07.28;
Rampa de Portalegre: Barros – 1.43.72, Moutinho – 1.50.28.
Curiosamente, António Barros dizia que na Rampa de Portalegre de 1980, terá realizado a melhor prova da sua carreira…


(desenho de Rui Queirós)

Dia 31 de Agosto de 1980, em Vila do Conde, com muitos milhares de pessoas a assistir, uma jornada épica. António Barros era já campeão e sentia há algum tempo uma estranha e incomodativa dor pré-cordial. No entanto, não queria desapontar os seus patrocinadores, o seu público, ou dar voz aos que logo o acusariam de cobardia se não corresse. E apesar do desaconselho do seu médico decide arriscar, apenas contando a sua situação à sua mulher e a Eduardo Santos, o preparador do carro.
Na primeira linha da grelha apresentavam-se Barros e Gianonne. Na 2ª aparecia o Porsche de Moutinho e o De Tomaso Pantera de Celestino Pereira. Na terceira fila havia o Escort RS de Jorge Petiz. Após a partida, e já com Barros no comando, Gianonne tem problemas mecânicos (diferencial) e Moutinho, com o Porsche finalmente a funcionar bem, sofre um toque de Tino Pereira que o faz abandonar. Barros sabe que irá ganhar. No decorrer da prova e nomeadamente quando se aproximava o momento de que culminaria a sua grande vitória, dominava dentro de Barros um sentimento misto: por um lado a alegria de vencer, mas por outro a tristeza de saber que era aquela a sua última corrida, pois a dor torácica que insistentemente o apoquentava não augurava nada de bom. Levava até escondidos no bolso 4 comprimidos Adalat (para administração sublingual) e uma embalagem de Nitromint, que foi tomando durante a prova. Mas venceu! Poucas horas depois haveria de entrar no Hospital de Santo António no Porto, com um Enfarte Agudo do Miocárdio, de que felizmente haveria de recuperar bem. Seria esta no entanto a sua última corrida, retirando-se com quase 46 anos de idade, após uma carreira de mais de 25 anos e 2 títulos Nacionais.

20 – DEPOIS DAS CORRIDAS



Tony Barros foi campeão Nacional e abandonou as competições com 46 anos (tal como o seu amigo Fangio…), mas nunca deixou de acompanhar as competições e nomeadamente estar sempre ao lado do seu filho Tony, iniciado no automobilismo em 1984, depois de uma boa carreira no Karting. Fez também vários Rallyes de Veteranos (do ACP), dando neles sempre um “ar da sua graça”.
Alguns dias antes do Circuito da Boavista perguntou-me se eu sabia onde poderia arranjar um carro para aí correr. Eu perguntei-lhe: “um carro de Sport dos anos 50, tipo um Maserati ou um Ferrari?” Ele respondeu-me “mas acha que eu vou correr num charuto desses? Eu quero correr numa barqueta!” E depois telefonou para o Luís Dias da Peres Competições, que rapidamente o fez desistir da ideia…
A sua última aparição em público, “em grande estilo” como era seu timbre, terá acontecido em Junho de 2005 quando na Fundação Cupertino de Miranda, numa reunião dedicada às memórias do Circuito da Boavista, entusiasmou todos os presentes com as suas maravilhosas histórias de antigamente, numa plateia onde estavam também antigos companheiros, organizadores ou simplesmente aficionados, como Manuel e Jorge Spratley, Jorge Ortigão, Fernando Baptista, Ângelo Pinto da Fonseca, Carlos Cruz, José Guilherme Pacheco, Paulo Jervell, Miguel Correia, Daniel Vidal, Rui David, Paulo Cutileiro entre muitos outros.
Eu tive o prazer de, nesse dia, o ir buscar (juntamente com o meu pai e o Rui Queirós), e levar, a sua casa, pois o seu estado de saúde já não era o melhor, e esta recordação (boa? Má?) viverá comigo para sempre…


(foto de Carlos Gilbert)

ANTÓNIO BARROS
PALMARÉS PRINCIPAL


1958 – VENCEU A TAÇA DO SALÃO DE PARIS (STANGUELLINI FORMULA JUNIOR)
1959 – VENCEU O “PREMIO VILLA DE MADRID” EM SPORT – MERCEDES 300 SL
1959 – VENCEU A “TAÇA SNI” DO GP PORTUGAL DE F1 – MERCEDES 300 SL
1960 – VENCEU A “TAÇA COM. ORGANIZADORA” EM V. CONDE – MERCEDES 300 SL
1960 – GP PORTO – CIRCUITO DA BOAVISTA – 2º TAÇA SNI – MERCEDES 300 SL
1961 – VENCEU O “PREMIO VILLA DE MADRID” EM TURISMO – JAGUAR 3.4
1967 – 4º LUGAR EM FORMULA V – CIRCUITO DE JARAMA – ESPANHA
1970 – VICE-CAMPEÃO NACIONAL DE FORMULA V (AURORA V)
1970 – VICE-CAMPEÃO NACIONAL DE FORMULA FORD (LOTUS 61 M - HOLBAY)
1971 – RAMPA DO MONTE DO FARO – 1º ABSOLUTO EM LOTUS 61 M
1972 – VENCEU O TROFEU DE MONTANHA (FORMULA FORD)
1972 – FICOU PARA SEMPRE COM O RECORD DA PISTA (FORMULA FORD)
1978/79 – VENCEU 9 RAMPAS (2 À GERAL) COM O OPEL COMMODORE GS/E
1978 – MELHOR CLASSIFICADO NO NACIONAL DE GRUPO 1 (OPEL COMMODORE)
1979 – CAMPEÃO NACIONAL DE GRUPOS 2 /5 COM O AURORA – PORSCHE
1980 – CAMPEÃO NACIONAL DE AGRUPAMENTO B2 COM O AURORA - PORSCHE
(NESTES 2 ANOS OBTEVE 15 VITÓRIAS E DOIS 2ºS LUGARES EM 20 PROVAS)

(publicado em 2005 na revista Topos & Clássicos)