O NSU DE
SANZ DE MADRID
Texto:
José Mota Freitas (publicado na revista Topos & Clássicos em 2006)
Um dos carros que decerto ainda estará na
memória de todos os que acompanhavam o automobilismo português do início da
década de 70 será sem dúvida o NSU TT 1300 de Jaime Sanz De Madrid. Vamos hoje
recordar esse magnífico bólide alemão.
Raul Jaime Sanz de Madrid nasceu (e fazendo
assim jus ao seu nome) em Madrid e já no final dos anos 60 havia dado nas
vistas, levando o seu Mini Cooper S a várias boas exibições e a algumas vitórias,
como as conseguidas em Jarama nas provas nacionais de Março e Junho de 1968. O
seu irmão Juan era também piloto, mas as suas qualidades eram unanimemente
consideradas como inferiores às de Jaime, de facto por todos considerado como
um piloto extremamente rápido ao volante do Mini.
E, para a época de 73 e talvez inspirado
pelas belas prestações do piloto suíço Jorg Siegrist em algumas provas que
disputou em Jarama em 1972 (com uma vitória à geral numa prova de Grupo 2),
Jaime Sanz de Madrid resolveu dar “um salto” na sua carreira e encomendar ao
preparador alemão Siegfried Spiess um NSU TT 1300. Spiess, um ex. Campeão
alemão de montanha preparava na altura NSU`s de elevado rendimento, tendo, anos
mais tarde, ficado bastante conhecido
através da preparação de motores para a Fórmula 3 internacional e sendo
actualmente o responsável pela preparação dos motores dos Volkswagen Touareg da
equipa oficial de TT da marca alemã.
O NSU TT, um modelo 1200 que apresentava a
cilindrada elevada para 1298 cc, revelou-se desde logo como um carro muito
equilibrado e com um excelente comportamento nas curvas lentas. A potência de
135/140 cavalos, às 8.200 rotações por minuto tinha a potência e suavidade
necessária para um excelente desempenho competitivo. A sua instrumentação era no
entanto bastante reduzida e limitava-se a um conta-rotações e a um medidor da
temperatura do óleo. O barulho que se podia escutar quando no seu interior era
intenso, pois podia escutar-se uma terrível mistura de sons proveniente ora da carroceria,
ora do motor, ora da caixa de velocidades. O autoblocante funcionava quase como
o de um carro de Rallyes, pois emitia um “grunhido” sempre que entrava em
acção, e o carro dava por isso frequentes “sacudidelas bruscas” quando curvava.
O seu poder de travagem era bastante bom, permitindo travar bastante tarde sem
quaisquer problemas. As mudanças eram, segundo “Rizos” Muñoz, piloto/ensaiador
da revista “Autopista” tão suaves como as de um Porsche de turismo… mas de
facto a sua maneabilidade era sua a principal arma, e já que as curvas
apertadas eram as mais frequentas na sinuosa pista de Jarama, não era difícil
prever que o pequeno NSU fosse o “rei” das corridas de Grupo 2 até 1300.
O início de época de Sanz foi excelente, com
vitórias nas 3 primeiras provas do Campeonato Espanhol. Em 1973, o Nacional de
Velocidade ia 2 vezes a Espanha, e as provas portuguesas de Vila Real e do
Estoril também contavam para o campeonato espanhol e por isso os nossos
melhores “1300”
tinham que defrontar por 4 vezes os seus colegas espanhóis. Mas, vejamos para
já quais eram em 1973, as forças em presença para este duelo ibérico.
Nessa altura os “nuestros hermanos” estavam
muito melhor equipados do que os portugueses para as vitórias à geral: entre os
3 Ford Capri presentes, Jaime Mesia tripulava um ex. carro oficial (ex. Jackie
Stewart…) com cerca de 300 cavalos; Jorge de Bragation dispunha do antigo carro
do seu cunhado Alex Soler Roig, entretanto retirado das competições: o carro
com que Jean François Piot havia feito a Volta a França de 72 e que debitava
cerca de 280 cavalos; Alberto Ruiz-Gimenez (campeão espanhol de Rallyes em
1970) tripulava o carro de Gerard Larrousse na mesma prova (270 cv); Rafael
Barrios e José Maria De Uriarte dispunham de 2 Ford Escort BDA preparados na
Broadspeed e com cerca de 265 cavalos. Gullermo Antoranz, um antigo
profissional de ciclismo, conduzia um Ford Escort GT 1300 também preparado em
1971 na Bradspeed e que debitava cerca de 150 cavalos. Entre os portugueses apareciam
diversos carros competitivos entre os de cilindrada até 1300: Bernardo e Domingos
Sá Nogueira estreavam 2 Alfa Romeo GTA 1300 Jr adquiridos à equipa oficial da
Autodelta e grandes dominadores da classe 1300 nas últimas épocas do ETCC. Eram,
nada mais, nada menos, do que os antigos carros de Toine Hezemans/Van Lennep
(Domingos) e Colzani/”Pooky” (Bernardo) e debitavam cerca de 165 cavalos; a
equipa portuguesa da BLP (British Leyland de Portugal) apresentava dois novos
Mini 1275 GT para Mário Gonçalves e Fernando Baptista, este regressado às
competições após 3 anos de afastamento das pistas. Lembre-se que Gonçalves era
o Campeão Nacional de Grupo 2 em
título. A marca inglesa apostava agora no modelo de frente
quadrada 1275 GT, nessa altura o modelo desportivo da marca à venda nos stands,
já que a produção dos Cooper S havia já cessado em 1971. Os carros, que eram
alimentados por dois carburadores duplos Weber de 45 polegadas ,
dispunham de cerca de 130 cavalos para um peso de cerca de 600 kg ; a equipa “Tabaqueira-Datsun”
apresentava dois novos Datsun 1200, preparados pelo Engº José Megre. Um, do
modelo normal para o próprio Megre, correndo com o pseudónimo de “Josame”. O
outro, um 1200 Coupé, para Francisco Fino, um jovem piloto que havia dado nas
vistas em anteriores edições do Troféu Datsun. Os carros disporiam nesta altura
de cerca de 115 cavalos, mas estava ainda na fase inicial do seu
desenvolvimento. Alcino Ferreira apresentava um novo Ford Escort RS 1600
adquirido a Ian Craig e que anunciava cerca de 230 cavalos, mas vários
problemas mecânicos iriam impedi-lo de tirar desde logo todo o partido do
potente motor BDA. Jorge Ribeiro de Sousa aguardava ainda a chegada do seu novo
Escort encomendado a David Wood, mas o carro apenas chegaria a Portugal em Agosto
e por isso não podia entrar para já nesta luta, que se antevia muito
interessante, com “nuestros hermanos”.
A primeira prova do “Troféu Ibérico” foi o
“Trofeo TVE”, disputado em Junho na pista de Jarama. Na primeira linha da
grelha estavam os Ford Capri de Mesia (1.43.26) e Ruiz-Gimenez (1.44.83) e também
o NSU de Sanz de Madrid (1.47.70). Na 2ª, apareciam o Alfa GTA de Domingos Sá
Nogueira (1.48.83) - Bernardo correu nesse dia apenas no GTV 2000 de Grupo 1 -
e o Escort 1300 de Guillermo Antoranz (1.50.10). Na 3ª fila estavam Mário
Gonçalves, Fernando Baptista e Francisco Fino, que eram seguidos pelos SEAT 1800
de Calixto Moreno e Luís Antoranz e pelo Escort de Alcino Ferreira. O Príncipe
Jorge de Bragation não treinou e partiu da última linha da grelha, mas logo
após a partida foi-se chegando à frente, passando já na 1ª volta em 5ª posição,
atrás de Mesia, Gimenez, Sanz de Madrid, e Domingos Sá Nogueira. De Madrid dava
espectáculo com o seu diabólico NSU de 135 cavalos, assistido pela Me-Pre, e a
todos impressionava pela sua rapidez e espectacularidade. O Alfa GTA de Sá Nogueira
nada podia pois fazer para contrariar Sanz, limitando-se a preservar a sua 5ª
posição e passando depois para o 4º lugar após a desistência de Gimenez. A
corrida seria interessantíssima até ao fim, tendo Mesia e Bragation terminado
quase “colados”. Inesperadamente a vitória seria atribuída ao 2º classificado,
Bragation, já que partindo do final da grelha havia percorrido mais 54 metros do que o seu
adversário…
As publicações da época consideravam
unanimemente que a prestação do pilotos portugueses no “Trofeo TVE” havia sido
baste promissora, mas todos estavam também deslumbrados com a rapidez do
pequeno NSU e todos perguntavam mesmo se os nossos melhores 1300 poderiam fazer
frente ao piloto madrileno na próxima prova a disputar na mesma pista espanhola
logo a seguir, no dia 26 de Junho.
A prova seguinte foi pois o “Trofeo
Vacaciones”, também disputado em
Jarama. Os contendores foram praticamente os mesmos, tendo
desta vez aparecido os 2 Escort de Uriate e Barrios, mas infelizmente faltado
os 3 Ford Capri. Entre os 1300, esperava-se uma melhor adaptação dos irmãos Sá
Nogueira aos Alfa Romeo e aguardava-se também a evidente evolução na preparação
dos Mini da BLP e dos Datsun 1200 da Tabaqueira. O s melhores tempos nos
treinos foram facilmente atribuídos aos Escort de Uriate (1.42.44) e Barrios
(1.42.48), tendo o NSU de Sanz De Madrid (1.48.1) ocupado a 3ª posição na “parrilla
de salida”. A seguir apareciam Bernardo (1.49.4), Domingos (1.49.5), Antoranz
(1.51.1), Gonçalves (1.52.0), Baptista (1.53.6) e Fino (1.53.9). Logo após a
partida os 2 Escort ditam a sua lei, com Domingos e Bernardo a arrancarem muito
mal, deixando mesmo que os Minis, os Datsun e os melhores SEAT, os ultrapassem.
Tornou-se pois desde logo muito mais difícil tentar seguir de perto o
rapidíssimo NSU espanhol. No final da prova, Sanz de Madrid é 3º classificado, e
o melhor entre os carros de 1300 cc, a apenas 51 seg. do Escort de Rafael
Barrios. Domingos Sá Nogueira é 4º classificado, a 40 Seg. do NSU, logo seguido
do seu irmão Bernardo.
Pouco tempo depois, em Julho desse ano, disputava-se
a 3ª jornada comum luso-espanhola, na mítica pista transmontana de Vila Real. Pensava-se
que nesse dia, atendendo às características da pista (muito mais rápida do que Jarama) e ao
desconhecimento da mesma por parte do piloto espanhol, as coisas iriam
inverter-se com alguma facilidade e os portugueses levariam finalmente a
melhor. Mais ainda quando os irmãos Sá Nogueira eram grandes especialistas de
Vila Real: Bernardo fora o surpreendente vencedor em 1968 da prova de Grupo 2 (em Morris Cooper S ),
enquanto Domingos realizara uma excelente exibição em 1972, quando tripulou o
Ford Escort BDA de Francisco Santos.
De facto, nos treinos, os Alfa GTA da Mocar
ficaram desta vez à frente do NSU-Spiess. A ordem estabelecida pelos treinos
cronometrados era: Bragation (Capri), Uriarte (Escort), Barrios (Escort),
Domingos (Alfa), Bernardo (Alfa) e Sanz (NSU). Após os treinos da prova de
Sport-Protótipos quando eram já 19.27 horas da tarde de Sábado, foi baixada a
bandeira para o início da corrida de Turismo Especial, tendo alinhado 17
concorrentes. Gullermo Antoranz (Escort 1300) e George Villar (Opel), não
alinharam à partida. Bragation arranca à frente e logo depois, à saída da curva
da Timpeira, Fernando Baptista, que seguia atrás de Sanz de Madrid, tem um
aparatoso acidente, tendo o seu Mini 1275 GT ardido completamente. Este
acidente iria precipitar o abandono das competições de Fernando Baptista, sem
dúvida um dos melhores pilotos portugueses de sempre ao volante dos Minis. E,
afinal, o diabólico NSU arrancava fulgurantemente e andaria à frente das GTA portuguesas
até à 5ª volta, altura em que foi ultrapassado por Domingos Sá Nogueira, vindo
a desistir pouco depois quando sofreu um despiste após a quebra do
autoblocante. Segundo Sanz, o carro apresentava vários problemas de suspensão e
não estava nas suas melhores condições nesse dia. Domingos e Bernardo Sá Nogueira iriam mesmo coroar a sua
excelente exibição, obtendo os dois primeiros lugares na corrida, após a
desistência dos pilotos espanhóis mais rápidos.
Em Outubro, na 8ª e última prova do
Campeonato Espanhol de Turismos, Sanz de Madrid iria obter um magnífico 2º
lugar na prova nacional de 2 horas disputada em Barcelona, na pista de
Montjuich e no mês seguinte, venceria de novo a classe 1300 numa das corridas
integradas no “I trofeo Escuderias” disputada também na pista situada junto ao
Rio Jarama. Nesse dia o NSU ficaria a 54 Seg. do vencedor, o Escort RS do
português Jorge Ribeiro de Sousa, que assim conseguia a terceira vitória na 3ª
prova que fazia com o carro.
Em 1974, Sanz de Madrid passaria a conduzir
um Ford Escort RS 1800 (o ex. carro de José Maria de Uriarte) e o NSU passava
para as mãos da ITRA S.L. o representante da marca de Neckarsulum em Espanha. O piloto era
agora Guillermo Nuñez, que nunca se revelou tão rápido como De Madrid, como o provam
o tempo de 1.54.25 que realizou na prova de Abril em Jarama, o “Trofeo
Inauguración”. Sanz de Madrid rodava na pista espanhola no segundo 47! Nesse
dia, Nuñez seria o 3º classificado na prova de Grupo 2 até 1300, atrás dos
portugueses Francisco Fino (com o seu Datsun 1200 Coupé cada vez mais rápido) e
Bernardo Sá Nogueira na GTA Jr agora inscrita pelo “Santa Clara Racing”.
Curiosamente, o vencedor da prova de Grupo 2 acima de 1300 seria … Jaime Sanz
de Madrid!
No final do ano, o NSU TT 1300 iria conseguir
um excelente 6º lugar na prova espanhola a contar para o Europeu de Turismo, as
“4 horas de Jarama”. A dupla de pilotos apresentada pela ITRA para conduzir o
NSU foi nesse dia o habitual titular Guillermo Nuñez, desta vez associado a
Santiago Martin-Cantero. Por curiosidade refira-se que esta prova teve apenas
13 concorrentes na pista e, segundo rezam as crónicas, “cerca de 100 pessoas a assistir
nas bancadas”. Nessa mesma altura os restantes 119.900 aficionados madrilenos
estavam no estádio Santiago Barnabeu a assistir a um decisivo e sempre
escaldante jogo de futebol Real Madrid – Barcelona…
Nas épocas seguintes, o NSU da ITRA S.L.
continuará a ser uma presença constante nas provas espanholas e, apesar de
longe do fulgor de tempos passados, os resultados continuaram a aparecer: nas 4
horas de Jarama de 1975, o NSU foi o 10º da geral (30 participantes) e o 3º
entre os 1300. Os pilotos eram Cincunegui e Martin-Cantero.
Hoje, o NSU que ficou célebre nas mãos de
Jaime Sanz de Madrid ainda existe e está a ser restaurado por um coleccionador
de Madrid.
Na altura em que se fala de que em 2007 a “Taça Nacional de
Clássicos” irá dar lugar a um “Campeonato Nacional até 1300” , creio que este texto
terá mostrado que, apesar da actual escassez de peças para a preparação destes
carros, um bom NSU TT poderia fazer “miséria” na Taça 1300 de 2007…
Nota. As imagens apresentadas foram retiradas
da revista espanhola Autopista (número 802, de
22-06-74) e das publicações nacionais Motor e Volante.
ALGUNS
RESULTADOS DO NSU TT em 1973 e 74
Março 73 – III Trofeo Primavera -
Jarama – Gr. 1 e 2 de 850/ 1.600 cc. - 1º Sanz de Madrid
Abril 73 – I Trofeo Jarama – Gr.
1 e 2 de 850/1.600 cc. - 1º Sanz de Madrid
Maio 73 – I Trofeo San Isidro – Jarama
– Gr. 1 e 2 até 1.600 cc - 1º Sanz de Madrid
Junho 73 – IV Trofeo TVE – Jarama
– Gr. 1 e 2 acima de 1.150 cc - 3º Sanz de Madrid (1º 1300)
Junho 73 – I Trofeo Vacaciones – Jarama
– Gr. 2 - 3º Sanz de Madrid (1º 1300)
Outubro 73 – 2 Horas Nacionales
Turismos – Montjuich - 2º Sanz de Madrid (1º 1300)
Novembro 73 – I Trofeo Escuderias
– Jarama - 2º Sanz de Madrid (1º 1300)
Abril 74 – III Trofeo
Inauguración – Jarama – Gr. 2 - 3º Guillermo Nuñez
Outubro 74 – IV – 4 Horas del
Jarama – ETCC – 6ºs Guillermo Nuñez – Martin Cantero (1º 1300)
Setembro 75 – V – 4 Horas del
Jarama – ETCC – 10ºs Cincunegui - Martin Cantero (3º 1300)
NSU
TT 1200 “SPIESS” – CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS
Cilindrada: 1298 cc
Preparação: Spiess
Assistência: ME-PRE, Madrid
Potência: 135 cavalos às 8.200
rpm
Alimentação: 2 carburadores
duplos Weber de 45
polegadas
Jantes: Spiess de 7.5´ à frente e
8.5 atrás
Pneus: Firestone Slicks
Amortecedores: Koni
Caixa: 4 velocidades,
close-ratio: rapport 3:5
Peso: 602 kg
Árvore de cames racing, ignição
dupla transtorizada (2 velas por cilindro)