FIAT 125S TORRALTA - 1972
Texto: José Mota Freitas
Depois de ter apoiado em 1971 uma equipa
constituída por 3 Fiat 128 preparados por Ceccato, a Fiat apostou forte no
nacional de ralis de 1972 apresentando uma equipa de 5 carros.
A aposta nos Fiat 128 não se revelou muito
feliz e os carros acusaram problemas nas provas de terra, sobretudo devido à
fragilidade da suspensão dianteira, assim como o motor que com uma árvore de
cames demasiado “pontiaguda” fazia 90 cv mas só pegava às 4000 rpm, dificultando
por isso a sua utilização nos nossos ralis. E pior ainda o acabamento
superficial dos cames era deficiente (não tinham o tratamento térmico adequado)
e o carro “comia” uma árvore de cames por rallye com a consequente desafinação
de válvulas e motor! Aliás os carros alinharam em várias das últimas
provas do ano com árvore de cames normal (para 75 cv), pois não havia mais das
outras…
Nos anos de 1970 e 71 o modelo 125 S da Fiat havia
sido um dos grandes dominadores das provas internacionais em Grupo 1, sendo
memoráveis algumas provas de pilotos como Renato Sonda, Hakan Lindberg, Alberto
Smania ou Pino Ceccato. Por exemplo, Sonda foi o 5º classificado “à geral” no
TAP de 1971 vencendo o seu grupo.
Talvez por isso, para 1972 a Fiat resolveu
apostar mais directamente nas competições e criou uma equipa própria que contou
com o patrocínio da Torralta. Em 1970 Mário Figueiredo (a meias com Carlos
Moura Pinheiro, que trabalhava no concessionário de Coimbra, Castro &
Castanheira) tinha adquirido o carro do italiano Renato Sonda e com ele teve
uma boa participação na Volta a Portugal só interrompida devido a um cárter
partido. Depois da aposta em 1971 no modelo 128 (mais vendável em Portugal na
altura, certamente), a Fiat (que era a marca nº 1 do mercado português na
altura, note-se) resolveu em 1972 reabilitar este carro e apresentar uma equipa
de 5 Fiats do modelo 125 S.
O 125 “S” era uma evolução do 125 e vendeu-se
entre 1970 e 1972. Tinha de origem uma potência de cerca de 100 cavalos e apresentava
como principais diferenças em relação ao modelo “normal” uma caixa de 5
velocidades e uma nova árvore de cames e colectores.
O antigo carro de Sonda, que era branco, foi
pintado de verde assim como todos os outros quatro 125 S que eram novos e foram
preparados em Itália nas oficinas da Ceccato di Schio e foram depois assistidos
na FIAT portuguesa em Alfragide, excepto o do Mário de Figueiredo que de início
o foi em Coimbra. Como curiosidade a rodagem deste carro (que chegou quase “em
cima” da primeira prova) foi feita pelo próprio Sr. Castro, um dos sócios da
Castro & Castanheira, os concessionários FIAT em Coimbra, que, ao que se
diz, nesse dia saiu de Coimbra após o jantar foi até ao Algarve e voltou nessa
noite (tinha, na altura, cerca de 70 anos e nessa altura não havia
auto-estradas …).
Quem dirigia a parte técnica da FIAT em
Lisboa era o Eng.º Luís Alberty, que embora tendo estudado em Coimbra onde
grande parte da família ainda vive, morava em Lisboa.
A equipa de pilotos era de grande qualidade.
Entre os 5 escolhidos, podíamos encontrar a organização do Eng.º Heitor de
Morais (campeão em 1968 e que era também o director técnico do team) a
experiência de Luís Netto (campeão em 1969) a regularidade de José Carpinteiro
Albino (campeão em 1970) a rapidez de Mário de Figueiredo (vice-campeão em
1970) e a promessa de Manuela Souto (campeã da promoção em 1971).
As matrículas dos carros e as duplas que
neles alinhavam inicialmente, ficaram então as seguintes:
#
E 29532 TO Luís Netto – “Jocames” (João
Canas Mendes)
# GA – 54 – 50 Mário Figueiredo – Carlos Barata
# GA – 54 – 56 Heitor de Morais – Augusto Roxo
#
GA – 54 – 57 Manuela Souto – Josefina
Sotto Mayor
# GA – 54 – 58 José Carpinteiro Albino – Assis e Santos
A
concorrência no Grupo 1 (Turismo de Série) era grande já que Manuel Gomes
Pereira conduzia um Opel 1604 S com apoio da GM portuguesa e o novo “Team
Kendall” representava agora o Entreposto Comercial, com dois Datsun 1600 SSS previstos
para Celso Vieira da Silva e António Silva Pereira.
Além
disso havia que contar com outros outsiders,
como Citroen DS 21 do Conde de Botelho, o Opel 1604 S de “Vidigueira”, os
Datsun 1600 SSS de David Cabral e Jaime Benitez, o Vauxhall Firenza de Rogério
Beatriz e especialmente do Citroen DS 21 de Francisco Romãozinho de quem se
esperavam, como habitualmente, apenas participações esporádicas nas principais provas
do calendário.
Os
dados estavam pois lançados e a partir de Fevereiro tudo passaria da teoria à
prática, com a disputa do primeiro Rali do campeonato.
V RALI
TARGA – FEVEREIRO DE 1972
A
época começou como habitualmente com a disputa do Rali do Targa Clube e a
equipa Fiat foi uma das que melhor se conseguiu adaptar às más condições da
Serra da Cabreira com lamaçais, buracos, chuva e até neve. Mário
Figueiredo-Carlos Barata foram assim excelentes 2ºs classificados da geral
atrás do inesperado Mini 1275 GT dos jovens ex. iniciados Rui-Gonçalves - João
Baptista que curiosamente disputavam a sua primeira prova do campeonato
nacional. Nos restantes Torralta-Fiat, Carpinteiro Albino foi 3º (2º do grupo)
e Luís Netto o 6º. Manuela Souto abandonou na “lama” da Cabreira e Heitor de
Morais teve problemas na correia da ventoinha.
XXIII VOLTA A PORTUGAL – MARÇO DE 1972
Antes
a prova mais importante do calendário, a Volta a Portugal era agora suplantada
pelo Rali TAP nesse título, mas continuava a ser uma das provas grandes do
calendário. Por isso a participação do Citroen “oficial” de Francisco
Romãozinho que não deu hipóteses à concorrência e foi o vencedor do grupo e à
geral, à frente do Porsche 911 S de António Borges.
O
melhor entre os Fiat foi Mário Figueiredo (4º), tendo Luís Netto (desta vez
fazendo equipa com “Borsano”) sido o 6º (3º do grupo) e Carpinteiro Albino o 8º
(5º do grupo).
Os
Fiat vão-se impondo pela sua rapidez, especialmente a de Mário Figueiredo, que vai
superando muitos concorrentes do Grupos 2 e até do Grupo 4, e sobretudo pela
robustez mecânica que apresentam.
XVII RALI DAS CAMÉLIAS – MARÇO DE 1972
Como
era habitual a caravana do nacional ia depois a Sintra para disputar a prova do
Arte e Sport. Desta vez a vitória coube ao Datsun 240 Z do Team Kendall (um ex.
carro de fábrica) que suplantou o Porsche 911 S de António Borges e o outro
Datsun 240 Z, o do campeão em título Giovanni Salvi.
Entre
os concorrentes do Grupo1, Luís Netto foi desta vez o melhor (4º da geral),
sendo secundado por Carpinteiro Albino (6º), sendo Heitor de Morais o 5º do
grupo e 10º da geral. Mário Figueiredo desta vez não completou a prova já que teve
que abandonar em Sintra com excesso de penalização. Por sua vez Manuela Souto,
que desta vez fazia equipa com Delfina Gomes, terminou na 34ª e última posição.
VIII RALI ÀS ANTAS – ABRIL DE 1972
O
Futebol Clube do Porto realizou novamente o seu Rali às Antas com a direcção de
António Miranda.
Mais uma
vez o vencedor foi António Carlos Oliveira (com o navegador “Barata”), tendo Luís
Netto (desta vez acompanhado de Pitta Domingues) sido novamente o melhor entre
os Fiat na 4ª posição, melhor entre os concorrentes do grupo 1. E desta vez os
homens da Torralta fizeram um excelente resultado de grupo já que Carpinteiro
Albino foi 5º (2º do grupo), Mário Figueiredo o 6º (3º) e Heitor Morais o 9º
(5º). Em 4ª posição no grupo 1 classificou-se a dupla do Datsun 1600 SSS David
Cabral - Diniz Mota. Manuela Souto não alinhou, alegadamente por não ter o
carro em condições.
Segundo
rezam as crónicas, Luís Netto fez uma boa opção no uso de pneus de alcatrão
para a prova inicial na pista das Antas, já que o bom tempo obtido lhe permitiu
sair para a estrada num lugar cimeiro ao contrário dos seus colegas de equipa
que iam sendo tapados por adversários mais lentos…
XIII RALI
RAINHA SANTA – ABRIL DE 1972
A
prova do Clube Automóvel do Centro era habitualmente uma das mais bem organizadas
do calendário nacional e desta vez reuniu 43 inscritos. Os vencedores à geral
foram a dupla António Borges - Pedro Garcia, tendo o melhor Fiat 125 S (Mário
Figueiredo - Carlos Barata) obtido o 3º posto e a vitória no grupo. Carpinteiro
Albino - Assis e Santos, sempre regulares, foram 6ºs (3ºs do grupo).
Heitor
de Morais - Augusto Roxo abandonaram por despiste na 2ª PEC, Luis Netto-Pitta
Domingues desistiram devido ao diferencial partido (7ª PEC) e Manuela Souto
(agora com Teresa Magalhães) partiu a caixa de velocidades na 9ª PEC.
Curiosamente
para esta prova houve troca de carros entre Manuela Souto e Luís Netto,
passando este a conduzir o # GA – 54 – 57 e ficando a partir desta prova o já
cansado # E 29532 TO (ex. Sonda) para a pouco afortunada dupla feminina.
No
final desta prova era grande o equilíbrio na disputa do campeonato, com
Carpinteiro Albino totalizando 586 pontos, Mário Figueiredo 561 e Luís Netto
521. O 4º classificado era “Vidigueira” (Opel) que apenas tinha 321 pontos.
XVII VOLTA AO MINHO – MAIO DE 1972
Organizada
pelo Sport Clube do Porto a prova era este ano dirigida por Carmo Santos.
Manuela
Souto não alinhou já que o carro não estava ainda recuperado após o anterior
Rali e desta vez foi um surpreendente Heitor de Morais o melhor representante
da marca italiana, ao ser 3º da geral e 2º do grupo atrás do Citroen
“boca-de-sapo” do Conde de Botelho e Manuel Coentro. Nos lugares seguintes de
Grupo 1 ficaram Carpinteiro Albino, Mário Figueiredo e Luís Netto. O vencedor
da prova foi António Borges, como sempre acompanhado por Pedro Garcia.
Refira-se,
já que ainda não foi dito, que os pneus utilizados pela equipa Fiat eram os
Pirelli Cinturato “ponto vermelho”, aparentemente melhores do que os “ponto
branco” que também estavam disponíveis…
XXI RALI DA MONTANHA – MAIO DE 1972
A
prova do Estrela e Vigorosa disputou-se nos dias 20 e 21 de Maio e como sempre
foi caracterizada pela sua dureza, desta vez associada ao nevoeiro que se fez
sentir e também ao muito trânsito (!) de que alguns dos concorrentes se
queixaram.
A
vitória foi novamente para o 240 Z de António Carlos Oliveira que assim
mantinha a luta pelo título principal com António Borges, desta vez o 2º
classificado à frente da “bomba verde” de Américo Nunes.
O
melhor entre os Fiat foi novamente o ex. piloto do Austin Cooper S “AL-38-28”,
Luís Netto (fazendo agora equipa com “Scorpius”), que foi o 4º classificado e
vencedor no seu grupo. Desta vez o 2º no Grupo 1 foi Conde de Botelho (com
Manuel Coentro), tendo Mário Figueiredo sido o 3º (6º da geral) e Carpinteiro
Albino o 8º da geral.
Heitor
de Morais voltava a não ser feliz e abandonava com problemas numa rótula do
braço da suspensão.
VIII VOLTA À ILHA DE S. MIGUEL – AGOSTO
DE 1972
Foram
31 os concorrentes que se inscreveram na prova açoriana que foi disputada sob a
direcção de Augusto Aguiar Machado.
Desta
vez foi um Porsche o vencedor, com António Borges à frente de duas duplas
locais e de Raposo de Magalhães que venceu o grupo 2. Carpinteiro Albino foi
desta vez o melhor entre os da sua equipa, terminado na 5ª posição da geral e
1º no seu grupo.
Heitor
de Morais abandonou na 1ª etapa com a suspensão partida; Luís Netto desistiu
por sobreaquecimento na 1ª etapa; Mário Figueiredo teve avaria na bomba de óleo
na 2ª etapa, mas estava a realizar uma excelente prova com vitórias à geral na
1ª e 3ª classificativas.
Note-se
que nesta altura e talvez devido aos vários azares do início da época, Manuela
Souto tinha já suspendido a sua actividade na equipa Torralta-Fiat.
VOLTA À MADEIRA – SETEMBRO DE 1972
A
outra prova insular foi a Volta à Ilha da Madeira cujo director era o Dr. José
Alberto Brandão Luís.
Os
concorrentes queixaram-se do formato desportivo apresentado, já que os tempos
das provas classificativas contavam apenas um terço dos resultados obtidos na
estrada.
Mas
Luis Netto e Jocames passaram incólumes a esse facto e especialmente ao
nevoeiro que se fez sentir, vencendo à geral à frente do Porsche 911 S de
Américo Nunes. Diga-se aliás que foi esta a última prova de Nunes na “bomba
verde” já que o carro ficou na Madeira, vendido a Alexandre Rebelo.
Mário
Figueiredo que fez também uma boa pontuação, já que alcançou a 4ª posição geral
sendo 2º no grupo e Carpinteiro Albino, com o 3º lugar em grupo 1 (5º da
geral), também limitaram as perdas de pontos para o agora mais favorito Netto.
Assim
e quando apenas faltava disputar o Rali TAP, Luís Netto comandava o campeonato
com 839,5 pontos, sendo Mário Figueiredo o 2º com 805 e Carpinteiro Albino o 3º
com 761. Como havia que rejeitar alguns resultados entre as provas pontuáveis
muito poderia ainda acontecer na prova da TAP.
VI RALI
INTERNACIONAL TAP –
OUTUBRO DE 1972
A
decisão dos campeonatos nacionais teve assim lugar no Rali TAP que em 1972 era
já uma prova de grande prestígio internacional e preparava a sua entrada no
Mundial de Ralis que teria no ano seguinte a sua primeira edição.
Mas
apesar da presença das fortes equipas da Citroen, Fiat, Datsun e Alpine Renault,
com as suas berlinetas, acabou por haver um vencedor surpresa com o triunfo da
dupla Achim Warmbold – John Davenport ao volante de um BMW 2002. A melhor
equipa portuguesa acabou por ser a constituída por Giovanni Salvi e Luigi Valle
que tinham já abandonado o Datsun 240 Z da equipa Kendall e regressaram a um
Porsche idêntico ao que lhes havia dado o título no ano passado.
Ao
terminar no 11º posto, Luis Netto e “Jocames” venceram o Grupo 1 e assim triunfaram
também no campeonato. Heitor de Morais (com A. Mascarenhas) foi 15º da geral
numa época em que não foi muito feliz, andando muito abaixo do que mostrara nos
seus bons tempos do Morris Cooper S.
No
fim, António Borges ganhou o campeonato dos grupos 3/4, Raposo de Magalhães
venceu o grupo 2, suplantando na última prova o BMW 2002 Alpina de Jorge
Nascimento e no grupo 1 ficaram 3 Fiat-Torralta nas 3 primeiras posições, pela
ordem classificativa Netto, Figueiredo e Albino.
RALI DO RACE – OUTUBRO DE 1972
O
campeonato estava assim ganho para Luís Netto e a equipa Fiat, mas havia ainda mais
uma hipótese de juntar outra vitória ao pecúlio do Team, já que ainda faltava
entregar o título ibérico de Ralis!
Por
isso Luís Netto deslocou-se ao Rali Race, prova que teve 85 participantes entre
os quais outro português, Américo Nunes, que também era candidato ao mesmo troféu.
No
entanto o piloto do Porsche realizou uma primeira etapa demasiado cautelosa e
classificou-se no final apenas no 19º posto, ficando o título entregue ao Fiat
125 S de Luís Netto que nesta prova estava preparado em especificações de grupo
2 e teria cerca de 120 cavalos.
Netto
foi 12º classificado, sendo o 3º do grupo atrás de Marie Claude Beaumont (Opel)
e Johan Wiklund (BMW). Venceu o suíço Marc Etchebers ao volante de um Porsche
911 S, seguido do Seat de Salvador Canellas que assim foi campeão espanhol de
Ralis. O campeão europeu acabou por ser Rafaelle Pinto, que com vários
problemas no seu Fiat 124 Spider classificou-se apenas no 15º posto.
Foi assim
uma época de sucesso para a equipa Fiat. Quanto aos Fiat 125 S da Torralta,
esses irão desaparecer a seguir quase totalmente das provas, sendo conhecidas
algumas participações (ambos ao volante de carros ex. Torralta ) de João
Queiróz (Iniciados) e especialmente o 22º posto no Rali TAP 74 de Anthony
Stillwell, um inglês residente em Portugal que correu pela equipa Cinegra-VIP e
fazia equipa com o ultra-consagrado Ron Crellin, antigo navegador da BMC nos
seus tempos áureos.
No
ano seguinte a marca italiana vai alinhar em Portugal com os mais potentes 124
Spider e por isso apostar nas vitórias à geral. Mas disso falaremos na próxima
T&C…
Agradecimentos são devidos a Augusto Roxo,
José Romão de Sousa e Manuel Romão de Sousa pela ajuda dada à elaboração deste
texto.
As fotos publicadas são de publicações
da época (colecção JMF) ou foram retiradas do facebook.